Advogados criminalistas que atuam em campo — especialmente aqueles que realizam visitas técnicas em presídios, delegacias ou unidades socioeducativas — sabem que cada detalhe importa. Do momento em que entram ao instante em que saem, tudo o que carregam é observado, registrado e, se for o caso, questionado. Não é só uma questão de protocolo; é uma exigência legal e de segurança. Mas, por incrível que pareça, ainda tem muita gente que se complica por descuido.
Equipamentos eletrônicos, objetos metálicos, itens de gravação… a lista do que não pode (ou não deve) entrar nesses espaços é extensa — e ela muda de lugar pra lugar. Por isso, confiar só na experiência pessoal pode ser perigoso. O profissional precisa estar atento às normas internas de cada instituição, e mais do que isso: precisa entender o porquê dessas restrições. Não é exagero, é prevenção.
E vale lembrar: em visitas técnicas, o advogado está representando a própria classe — e qualquer desvio, por menor que pareça, pode ser interpretado como má-fé. Ou seja, além do risco pessoal, há um risco institucional. Basta um vacilo e pronto: acesso suspenso, representação na OAB, cliente prejudicado. Agora imagine isso acontecendo num caso delicado, com um cliente acusado de estelionato, em que cada minuto de acesso ao preso conta.
Por isso, é essencial saber — com clareza — o que deve ficar do lado de fora. E mais: quais itens podem ser substituídos, quais devem ser deixados no veículo ou no armário externo, e até que ponto o advogado pode contestar regras excessivas sem comprometer a própria atuação. O que vamos ver a seguir são justamente esses pontos práticos, com foco na prevenção de problemas e na atuação profissional segura.
Celulares: restrições, exceções e riscos
O celular é, sem dúvida, o item mais comum — e também o mais problemático — em visitas técnicas. Em quase todos os estabelecimentos prisionais, o uso é proibido dentro das áreas de custódia. A lógica é simples: celulares podem ser usados para comunicação externa indevida, gravação de imagens, ou até mesmo para transferir arquivos a pessoas privadas de liberdade. E isso vale inclusive para advogados. Não é privilégio — é regra geral.
Em alguns lugares, pode haver autorização para portar o aparelho, mas ele deve permanecer desligado ou em modo avião. Em outros, é exigido o armazenamento em armário lacrado. A tentativa de usar disfarçadamente — como tirar fotos da cela ou gravar conversas — pode ser interpretada como conduta antiética, e pior: configurar infração disciplinar.
É ainda mais grave quando o advogado não percebe que está com um aparelho que não é seu — sim, já aconteceu de cliente tentar “plantar” um celular durante a conversa. Um simples descuido, e pronto: está configurada uma situação semelhante à de posse de celular roubado. A recomendação é: nunca leve dois aparelhos, evite o uso durante a permanência e siga rigorosamente as normas da unidade.
Gravadores e dispositivos de áudio
Outro ponto crítico: dispositivos de gravação. Por mais que o advogado tenha a intenção de se proteger ou documentar uma conversa importante, gravadores (inclusive os integrados em smartwatches) são itens expressamente proibidos na maioria das unidades prisionais. E mesmo que a gravação seja legal em determinadas situações (como em ambiente público ou com consentimento), no contexto da prisão, a regra muda completamente.
A presença de um dispositivo gravador pode levantar suspeitas — tanto por parte da administração penitenciária quanto de outros presos. Em algumas situações, o próprio cliente pode se sentir intimidado, acreditando que está sendo vigiado. Isso mina a confiança e pode comprometer a comunicação entre as partes, que deve ser sempre pautada pelo sigilo profissional.
E, em termos práticos, se o advogado for flagrado com esse tipo de equipamento, a consequência pode ser grave. Além da apreensão do dispositivo, pode haver registro de ocorrência, abertura de sindicância e até suspensão do acesso à unidade. Em casos extremos — e não são tão raros assim — o cliente acaba sendo prejudicado, especialmente se o advogado sumiu logo depois do incidente, deixando a defesa desamparada.
Computadores, notebooks e tablets
Por mais que a tecnologia esteja presente em todas as fases do processo, levar notebook ou tablet para dentro de presídios ainda é algo altamente restrito. A justificativa é semelhante à do celular: risco de troca de arquivos, exibição de vídeos impróprios, acesso à internet não autorizado e possibilidade de comprometer a segurança da unidade. Raramente há permissão para esses equipamentos em visitas técnicas comuns.
Há exceções — em atendimentos agendados com autorização prévia para análise de provas digitais ou visualização de documentos em PDF, por exemplo. Mas nesses casos, tudo deve estar formalizado, com identificação do equipamento, controle de entrada e saída e, muitas vezes, inspeção prévia pelo setor de segurança. Em regra, o advogado deve se preparar para atuar sem depender desses recursos dentro da unidade.
E mais: carregar um notebook, mesmo que desligado, pode gerar dúvidas e atrasos no acesso. Em visitas urgentes, como nos casos de mulheres sob medidas protetivas ou audiências de custódia, esse tipo de obstáculo pode comprometer o tempo de resposta. O melhor é antecipar e confirmar com a unidade quais itens são permitidos — e quais devem ficar do lado de fora, mesmo que pareçam “inofensivos”.
Objetos metálicos e acessórios pessoais
Embora pareça algo banal, objetos metálicos podem se tornar um problema em ambientes de segurança máxima. Canetas de metal, fivelas, chaveiros, relógios com engrenagens visíveis, canivetes acoplados a chaveiros… tudo isso pode ser barrado na triagem. E não adianta argumentar que é item pessoal. O foco da unidade é a segurança, não a conveniência do visitante.
É importante lembrar que o advogado passa por detectores de metal, e o excesso de itens pode atrasar o acesso ou gerar constrangimentos desnecessários. Já aconteceu de profissionais serem retidos por usarem pulseiras, brincos grandes ou até sapatos com metais internos. E isso, embora pareça exagero, é rotina em muitos presídios.
A orientação é simples: adote uma vestimenta funcional e discreta. Leve apenas o essencial. Tenha uma pasta organizada com documentos e folhas brancas — de preferência, já autenticadas ou rubricadas, se necessário. O objetivo da visita é atender o cliente, não “desfilar” estilo. E em casos em que há urgência processual — como um pedido de Habeas Corpus iminente —, o foco deve estar totalmente voltado à parte técnica, sem riscos de atraso por questões de aparência.
Documentos impressos e papelada desnecessária
Levar uma pilha de documentos para dentro do presídio pode parecer sinal de preparo, mas, na verdade, é um risco. Muitos estabelecimentos têm regras rigorosas sobre o que pode ou não ser entregue ao preso. Imprimir jurisprudência, petições ou notícias de jornal e repassar sem controle pode ser visto como tentativa de burlar normas internas — principalmente se o conteúdo for mal interpretado.
Além disso, há restrições sobre o tipo de papel, o número de folhas e até o conteúdo visual — imagens, símbolos, textos manuscritos ou rasurados. O ideal é sempre comunicar previamente à administração o que será levado, com cópias extras para conferência e, se necessário, autorização por escrito.
Se o advogado aparecer com pastas volumosas, impressos coloridos ou materiais fora do padrão, corre o risco de ter o material retido — ou nem conseguir acessar o cliente. E em contextos em que o tempo é escasso, qualquer atraso é prejudicial. O ideal é levar o mínimo possível, sempre organizado e objetivo. E sim, até a entrega de uma simples petição precisa seguir a regra do local. Melhor se informar antes, do que explicar depois.
Condutas digitais e uso indevido de tecnologia
Mesmo que o advogado não carregue equipamentos proibidos fisicamente, o uso indevido de tecnologia durante a visita pode ser tão grave quanto. Por exemplo: ativar o bluetooth ou Wi-Fi do celular (mesmo bloqueado), tentar conectar-se à rede da unidade, ou usar o smartwatch para ler notificações. Tudo isso pode ser monitorado e gerar desconfiança — ou até sanções.
Além disso, há registros de advogados que tentaram transmitir informações digitais sem perceber que estavam sendo monitorados — por meio de fotos de tela, QR Codes, arquivos criptografados. Mesmo que não haja má intenção, a simples tentativa pode ser considerada conduta indevida. E isso basta para justificar medidas disciplinares, advertência ou até representação.
O ponto é: a presença do advogado em unidades prisionais é um direito. Mas esse direito vem com responsabilidades. E, num ambiente onde tudo é observado, a cautela é a melhor estratégia. Do contrário, o risco de prejudicar o cliente é real. E nenhum cliente quer — ou merece — ficar sem atendimento técnico por um erro que poderia ser evitado com um pouco de planejamento.